terça-feira, 12 de maio de 2015

Inferno e ponto

Acho que tenho estado muito irritado com a vida essa semana. O ponto, é onde tudo começa, você provavelmente já passou por ele e já ficou preso. É como uma força estranha que está aqui apenas para nos puxar para ele e sugar sua força vital. Como se fosse aos poucos fosse aproximando ao seu ouvido para cochichar: “Você vai ficar aqui para sempre”. Uma agonia constante de cada dia. Não sei se posso com certeza afirmar que se trata de algo que todo o povo brasileiro está a passar, provavelmente não. Muitas cidades contam com suas próprias versões do ponto. Versões tão ruins ou tão piores quanto. Aqui, infelizmente, ou felizmente, temos apenas o ponto. Não se trata apenas de um simples e conciso ponto. Não é um ponto de exclamação, que estranhamente é usado também na matemática, pode acreditar. Não se trata de um ponto de crochê, aquele que está provavelmente no tapete de seu banheiro ou em um belo cachecol que sua avó fez no inverno. E, principalmente, não confunda com o ponto que o médico dá na sua perna depois de cair da bicicleta ou bater a cara no muro. É algo tão poderoso ou pior que todos esses pontos somados. O ponto que eu tanto faço questão de manter o mistério é aquele que você cola a sua bunda e espera pela lata amarela, mas não é nela que eu cheguei ainda.
Às vezes quando estou esperando no ponto gosto de olhar para as pessoas que passam dentro das latas amarelas diferentes. É incrivelmente interessante fazer essa experiência, você as olha com inveja por estarem em seus próprios lugares e elas sentem pena de você por estar nesse sol horroroso que frita o cérebro como uma batata em óleo quente. E o nervosismo está sempre lá. É como se, ao avistar aquela casinha sem paredes e apenas um telhado, o sentimento voltasse a te cutucar e o fantasma do natal passado a sussurrar no seu ouvido.
“Você vai ficar aqui para sempre”
“É... É... Eu sei.”
Até que, no fundo, lá longe, perto do fim da longa massa de cimento que carinhosamente apelidamos de “rua”, a grandiosa e abençoada lata amarela surge, ao som da Cavalgada das Valquírias, para te levar para casa. Eu sei, é uma felicidade momentânea e boba. Nunca vai durar mais do que alguns segundos ao ver que a lata já está cheia, e as sardinhas começaram a reclamar. Realmente acho engraçada a parte de dentro da lata e como o mundo se porta a ela. As cadeiras de plástico e couro (?) são dispersas de maneira pouco prática e catalogadas de maneira especial.
“Hey, amigo, sente-se aqui, posso estar rasgado e grudento, mas te prometo que sou macio.”
E depois de horas do seu dia elas praticamente tomam a forma de verdadeiras poltronas deliciosas e relaxantes, daquelas que você vê na televisão. Até é possível se esquecer da verdadeira tortura psicológica que o ponto lhe fornece na alma. É obvio que essas cadeiras estão quase sempre ocupadas por outras “sardinhas reclamonas”. Por pior que possa parecer, nós somos sim “sardinhas reclamonas” e você têm que concordar comigo, é quase como se gostássemos de ter um longo e péssimo dia ruim, só para poder chegar a casa depois e reclamar para nossos familiares ou respectivos parceiros. Eles vão concordar com você e ajudar a difamar as tão difamadas latas amarelas e é isso que nos faz sentir bem! Não quero parecer hipócrita, de jeito nenhum, devo admitir que AMO fazer isso. Um amor tão genuíno e verdadeiro que ninguém poderia me negar o prazer de exercer meu direito de “sardinha reclamona” e... apenas... reclamar. Tenho essa teoria de que se o inferno existe, ele é formado de eternos pontos e eternas latas amarelas forradas de sardinhas. Sardinhas grandes, pequenas, fedorentas e irritadas. Uma realidade em que ficaríamos anos e mais anos nos empurrando, suando e pedindo para “dar um pacinho para trás”. Por que cabe mais gente, e você sabe disso! Cabe mais!
“Gente, um pacinho para trás, aí!”
É tão fácil para ele pedir isso, ele está sentado, poxa, eu estou de pé sendo empurrado até a morte por gente tão apressada quanto eu enquanto o piloto da lata dirige como um completo maluco ensandecido. Temos que concordar, os pilotos realmente levam sua profissão a sério. Perdi a conta de quantas vezes a lata freou bruscamente e sardinhas foram ao chão.
“Aquele cara cortou a minha frente!”
“Desculpe, mas amigo, você é grande, mas não é o dono da rua.”
No final, o lar é sempre o destino. Vamos poder soltar nossas mochilas, bolsas, livros ou qualquer coisa que esteja carregando. Tomar um bom banho quente, sentar na frente da grande tela iluminada e esquecer nossos problemas por algumas horas enquanto vivemos a vida dos outros por nós. Por que é isso o que as sardinhas fazem: Elas reclamam, reclamam e continuam reclamando, mas no final do dia, sardinhas continuarão sendo sardinhas e os pontos continuarão sendo apenas pontos.

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