Acho que tenho estado muito irritado com a vida essa semana. O ponto, é onde tudo começa,
você provavelmente já passou por ele e já ficou preso. É como uma força
estranha que está aqui apenas para nos puxar para ele e sugar sua força vital.
Como se fosse aos poucos fosse aproximando ao seu ouvido para cochichar: “Você vai ficar aqui para sempre”. Uma
agonia constante de cada dia. Não sei se posso com certeza afirmar que se trata
de algo que todo o povo brasileiro está a passar, provavelmente não. Muitas
cidades contam com suas próprias versões do ponto. Versões tão ruins ou tão
piores quanto. Aqui, infelizmente, ou felizmente, temos apenas o ponto. Não se
trata apenas de um simples e conciso ponto. Não é um ponto de exclamação, que
estranhamente é usado também na matemática, pode acreditar. Não se trata de um
ponto de crochê, aquele que está provavelmente no tapete de seu banheiro ou em
um belo cachecol que sua avó fez no inverno. E, principalmente, não confunda
com o ponto que o médico dá na sua perna depois de cair da bicicleta ou bater a
cara no muro. É algo tão poderoso ou pior que todos esses pontos somados. O
ponto que eu tanto faço questão de manter o mistério é aquele que você cola a
sua bunda e espera pela lata amarela, mas não é nela que eu cheguei ainda.
Às vezes quando estou
esperando no ponto gosto de olhar para as pessoas que passam dentro das latas
amarelas diferentes. É incrivelmente interessante fazer essa experiência, você
as olha com inveja por estarem em seus próprios lugares e elas sentem pena de
você por estar nesse sol horroroso que frita o cérebro como uma batata em óleo
quente. E o nervosismo está sempre lá. É como se, ao avistar aquela casinha sem
paredes e apenas um telhado, o sentimento voltasse a te cutucar e o fantasma do
natal passado a sussurrar no seu ouvido.
“Você
vai ficar aqui para sempre”
“É...
É... Eu sei.”
Até que, no fundo, lá longe,
perto do fim da longa massa de cimento que carinhosamente apelidamos de “rua”,
a grandiosa e abençoada lata amarela surge, ao som da Cavalgada das Valquírias,
para te levar para casa. Eu sei, é uma felicidade momentânea e boba. Nunca vai
durar mais do que alguns segundos ao ver que a lata já está cheia, e as
sardinhas começaram a reclamar. Realmente acho engraçada a parte de dentro da
lata e como o mundo se porta a ela. As cadeiras de plástico e couro (?) são
dispersas de maneira pouco prática e catalogadas de maneira especial.
“Hey,
amigo, sente-se aqui, posso estar rasgado e grudento, mas te prometo que sou
macio.”
E depois de horas do seu dia
elas praticamente tomam a forma de verdadeiras poltronas deliciosas e
relaxantes, daquelas que você vê na televisão. Até é possível se esquecer da
verdadeira tortura psicológica que o ponto lhe fornece na alma. É obvio que
essas cadeiras estão quase sempre ocupadas por outras “sardinhas reclamonas”. Por pior que possa parecer, nós somos sim “sardinhas reclamonas” e você têm que
concordar comigo, é quase como se gostássemos de ter um longo e péssimo dia
ruim, só para poder chegar a casa depois e reclamar para nossos familiares ou
respectivos parceiros. Eles vão concordar com você e ajudar a difamar as tão
difamadas latas amarelas e é isso que nos faz sentir bem! Não quero parecer
hipócrita, de jeito nenhum, devo admitir que AMO fazer isso. Um amor tão
genuíno e verdadeiro que ninguém poderia me negar o prazer de exercer meu
direito de “sardinha reclamona” e...
apenas... reclamar. Tenho essa teoria de que se o inferno existe, ele é formado
de eternos pontos e eternas latas amarelas forradas de sardinhas. Sardinhas
grandes, pequenas, fedorentas e irritadas. Uma realidade em que ficaríamos anos
e mais anos nos empurrando, suando e pedindo para “dar um pacinho para trás”. Por que cabe mais gente, e você sabe
disso! Cabe mais!
“Gente,
um pacinho para trás, aí!”
É tão fácil para ele pedir
isso, ele está sentado, poxa, eu estou de pé sendo empurrado até a morte por
gente tão apressada quanto eu enquanto o piloto da lata dirige como um completo
maluco ensandecido. Temos que concordar, os pilotos realmente levam sua profissão
a sério. Perdi a conta de quantas vezes a lata freou bruscamente e sardinhas
foram ao chão.
“Aquele
cara cortou a minha frente!”
“Desculpe,
mas amigo, você é grande, mas não é o dono da rua.”
No final, o lar é sempre o
destino. Vamos poder soltar nossas mochilas, bolsas, livros ou qualquer coisa
que esteja carregando. Tomar um bom banho quente, sentar na frente da grande
tela iluminada e esquecer nossos problemas por algumas horas enquanto vivemos a
vida dos outros por nós. Por que é isso o que as sardinhas fazem: Elas
reclamam, reclamam e continuam reclamando, mas no final do dia, sardinhas
continuarão sendo sardinhas e os pontos continuarão sendo apenas pontos.
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